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Foto do escritorPaulo Markun

A primeira celebridade televisiva do Brasil

Em 2006, entrevistei Lima Duarte no Roda Viva. Para uma pergunta inicial de almanaque - o que mudou e o que não mudou na TV brasileira, desde seu surgimento, seu Lima deu uma resposta de enciclopédia. Confira"Paulo Markun: Nesses 56 anos, o que é que mudou e o que é que não mudou na televisão brasileira?

Lima Duarte: Mudar, não mudou muito, não. Aquilo que a gente fez... Bom... No dia 18/09/1950 tinham 28 pessoas no estúdio na hora da inauguração. Só tem eu vivo de homem. A Hebe [Hebe Camargo (1929-), apresentadora de programa televisivo] também está viva e a Lolita Rodrigues [Silvia Gonçalves Rodrigues Leite (1929-), atriz e cantora], salvo engano. Deve ter algum técnico por aí, mas acho que não, porque eles eram todos muito velhos. Então, eu conto uma história - estava até contando para o Chico de Assis. As histórias são meio elucidativas. O primeiro ídolo popular da televisão brasileira – ídolo popular - foi uma participante do primeiro programa chamado O céu é o limite, que era dirigido pelo Túlio de Lemos, apresentado pelo Aurélio Campos, onde o Aurélio cunhou a expressão “absolutamente certo!”. E o primeiro ídolo popular, por volta de 1953, surgiu nesse programa. Era uma senhora muito bonita, muito elegante, sofisticada, chamada Cristiane Mendes Caldeira. É de uma família famosa. Mas ela era francesa, casou-se com um dos líderes dessa saga Mendes Caldeira. E ela respondia, no Céu é o limite, sobre Proust [Marcel Proust (1871-1922), escritor francês cuja obra é reconhecida como fundamental na literatura mundial] e a sua fantástica tetralogia. São sete volumes, né? A procura do tempo perdido [refere-se ao livro de Marcel Proust Em busca do tempo perdido escrito entre 1908, 1909 e 1922. A obra contém sete volumes sendo o três últimos publicados postumamente], O Caminho de Guermantes, À sombra das raparigas em flor, A prisioneira, No caminho de Swann e o último Les temps retrouvé. Ela respondia sobre Proust na televisão e ficou muito famosa. Era apontada nos botequins, nos pontos de ônibus: “olha lá! Lá vai a Dona Cristiane. Sabe tudo sobre Proust. Essa aí, ela é fera em Proust.” Era essa a televisão que a gente fazia, onde uma mulher falava de Proust e era amada pelas gentes. Ela sabia tudo do Proust, da tetralogia, claro. Porque, imagine responder sobre A procura do tempo perdido [sic], 7 volumes! As madeleines [bolinho típico francês], o chá de hamamélis que o Proust teria tomado na casa da avó? E que perguntou o que que é isso? O que que é isso? [gesticulando] E destrinchou aquela forma de pensamento que é A procura do tempo perdido [sic]. Então era essa. Não sei se hoje os ídolos são assim.

Paulo Markun: Mas isso não teria a ver, sem querer defender a televisão de hoje...

Lima Duarte: Não, nem eu!

Paulo Markun: ...Longe de mim ser representante dessa facção... Não é pelo fato de que aquela televisão... Eu, que nasci em 1952, peguei a televisão engatinhando, mas já existia quando eu nasci. Eu fui, como todas as pessoas da minha geração, "televizinho" [referindo-se ao fato que muitos brasileiros, na época, quando não tinha aparelhos de TV em casa, iam assistir no vizinho]. A televisão não era um eletrodoméstico que existia na casa de todas as pessoas. Portanto, quem assistia à televisão - e isso é uma hipótese que eu faço - não era a grande massa de brasileiros. Não seria um pouco uma explicação para essa diferença?

Lima Duarte: Isso e mais um milhão de outras coisas. Mas a televisão... Nós estávamos jogando peteca um dia entre amigos, quando existiam amigos e petecas ainda, nós estávamos jogando ali no Sumaré.,Osny Silva, Homero Silva [apresentador do programa Pé na tábua da TV Tupi], Hebe Camargo e Ribeiro Filho [cantor e compositor]. A gente ficava jogando peteca, aí chegou um sujeito e começou a mexer no nosso campo de peteca dizendo “Vamos fazer a televisão aqui”. “Ah é mesmo? Estragaram com nosso campo de peteca?”. E fizeram a primeira televisão lá, né? Ficou 2 anos construindo. Nós temos uma fotografia muito linda, não sei se vocês têm, que nós estamos vindo de Santos com a televisão nos caixotes. Ela veio num caminhão em que estava escrito: “Aqui vem a primeira televisão da América Latina”. E nós, atrás, soltando foguetes [imita barulho de foguete]. Subiu a via Anchieta, ficou dois anos, tá pronta. Um dia uns engenheiros americanos que montaram a televisão chegaram para o doutor Assis Chateaubriand e falaram [imita o diálogo entre o técnico e Chateaubriand]: “Tá pronta a televisão, doutor? Ah, tá pronta? Então bote no ar! Bote no ar!” E aí eles disseram: “mas peraí doutor não tem receptor! Ah, não tem? Não tem. Vai botar no ar para quem? Pera um pouquinho” Daí ele pegou um “Constellation da panela” [se referindo ao avião Constellation, da Pan Air], conforme dizia o baiano que era o porteiro de lá. Pegou o “Constellation da panela” foi lá comprou vinte e tantos aparelhos de televisão veio no Constellation botou um no viaduto do chá, um no Cine Metro, um no Pacaembu, um na Rua Sete de Abril e foi para o ar a televisão, nesse dia. Um ano depois, já tinha mais de mil aparelhos de televisão. Ela foi um fascínio imediato, arrebatador, devastador. Amaram de imediato a televisão e chegavam com aquelas coisas loucas de botar um papel colorido na frente. Televisão a cores, então, é só colocar um papel azul e vermelho e ficava assistindo televisão a cores [risos]. E a televisão ia para o ar às 7 horas da noite e eles ligavam às 5. Ficava aquele chuvisco e o povo ficava olhando aquele ponto luminoso. E você era "televizinho". O "televizinho" aumentou muito aquele negócio do café. Porque naquele tempo se servia um cafezinho, não é? “Vou servir um café para os telespectadores”. Então tinha o cafezinho e o povo tomava o cafezinho e ficava esperando ir para o ar essas bobagens que a gente faz. Teve também esse lance que é do anedotário com o Cassiano. Depois nós preparamos a festa...

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