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Sobre greves e fracassos

19 de ago. de 1988

VeĆ­culo: Folha da Tarde
Coluna: Parem as rotativas

O primeiro fracasso desta sĆ©rie de colunas sobre fracasso jĆ” estĆ” consumado. AtĆ© Quinta-feira, nĆ£o chegou nenhuma carta na redaĆ§Ć£o da FT, relatando histĆ³rias de fracassos edificantes. Motivo: sucesso da greve dos Correios. Ou fracasso do serviƧo de Correios, provocado pela greve.

Mas uma qualidade que meus fracassos me ensinaram Ć© a persistĆŖncia. Por isso, caro leitor, vocĆŖ tem mais uma chance de publicar seu fracasso! Mande sua carta para esta coluna, no endereƧo do jornal.

Mas a semana nĆ£o foi de todo mĆ” para o nosso time. Veja o que aconteceu com o presidente Sarney. Ele foi Ć  televisĆ£o, usou toda a sua prosopopĆ©ia, vociferou em cadeia nacional, apresentou todos os argumentos lĆ³gicos para provar que o paĆ­s ficaria ingovernĆ”vel com a nova ConstituiĆ§Ć£o... e demonstrou que nĆ£o governa a Constituinte. Placar de 413 a 13 Ć© fracasso indiscutĆ­vel. Resta saber qual a liĆ§Ć£o que o presidente vai tirar desse resultado.

HĆ” onze anos, numa cidade do interior de SĆ£o Paulo, assisti a um retumbante fracasso: o de um prefeito municipal que foi eleito por uma pequena margem de votos, resolveu fazer uma administraĆ§Ć£o que beneficiasse a periferia, aumentou violentamente os impostos da classe mĆ©dia e acabou perdendo o mandato, no meio de denĆŗncias de todo tipo ā€“ as mais suaves constituĆ­am o que a criativa imprensa local chamou de ā€œmar de lamaā€. O tal prefeito voltou ao cargo por forƧa de uma ordem judicial, completou o mandado e elegeu-se deputado federal com uma votaĆ§Ć£o consagradora. Certa ocasiĆ£o, acusou o entĆ£o governador do Estado de ser um cĆ¢ncer para a sociedade. Foi processado e confirmou diante do juiz que tinha chamado Sua ExcelĆŖncia de cĆ¢ncer, mas nĆ£o dissera se era um tumor benigno ou maligno. O meretĆ­ssimo nĆ£o aceitou a explicaĆ§Ć£o e condenou o prefeito, que fez uma coleta de moedinhas em todo o Estado, para pagar a multa. Conseguiu mais do que o necessĆ”rio, pagou a conta e doou o restante para o Hospital do CĆ¢ncer. Nas prĆ³ximas eleiƧƵes, mesmo tendo perdido o controle de seu partido na cidade, vai tentar novamente a Prefeitura.

Querem mais? Que tal a histĆ³ria daquele grupo de economistas ā€“ os mais competentes e respeitados da RepĆŗblica ā€“ que descobriu a fĆ³rmula para acabar com a inflaĆ§Ć£o. Bastava dar um choque heterodoxo, desindexar a economia, criar uma nova moeda...bem, o resto da histĆ³ria nĆ³s jĆ” sabemos, nĆ£o Ć© mesmo?

AliĆ”s, o jornalista Marco AntĆ“nio Rocha, que costuma escrever sobre histĆ³rias do gĆŖnero, sĆ³ que circunscritas Ć  Ć”rea econĆ“mica, sugere uma mudanƧa. Ele acha que fracasso Ć© uma palavra muito negativa. Prefere insucesso. O que lembra uma histĆ³ria real acontecia no velho ā€œEstadĆ£oā€, contada pela revista ā€œIMPRENSAā€ e que reproduzo aqui:

A redaĆ§Ć£o de ā€œO Estado de SĆ£o Pauloā€, lĆ” pelo final dos anos 40, implicava exageradamente com certas palavras ā€“ havia atĆ© uma caixinha com fichas contendo as palavras que jamais deveriam sair. Uma delas era fracasso, considerada, erroneamente, um galicismo (seria derivada da palavra francesa fracas, que quer dizer barulho). O policiamento era tanto que o prĆ³prio doutor Julio de Mesquita Filho baixara ordens por escrito da redaĆ§Ć£o Ć  oficina, para que a palavra fracasso, onde quer que estivesse, fosse substituĆ­da por malogro.

Ocorre que o professor NapoleĆ£o Mendes de Almeida mantinha uma concorrida coluna sobre Linguagem, onde respondia a consultas de leitores. Um deles, mais atento, perguntou por que a palavra fracasso jamais saĆ­a no EstadĆ£o. A resposta do professor NapoleĆ£o foi mais ou menos esta:

ā€œFracasso ā€“ A palavra fracasso Ć© de origem francesa. Trata-se de um galicismo que deve ser evitado. Ora, nĆ³s temos, em portuguĆŖs, por exemplo a palavra malogro, que substitui perfeitamente a fracasso. Por que tendo uma palavra como malogro, usaremos a estrangeira fracasso?ā€

Mas, como ordem de patrĆ£o nĆ£o Ć© brincadeira, um zeloso revisor tratou de pĆ“r o texto dentro das regras do EstadĆ£o ā€“ e a resposta saiu assim:

ā€œMalogro ā€“ a palavra malogro Ć© de origem francesa. Trata-se de um galicismo que deve ser evitado. Ora, nĆ³s temos em portuguĆŖs, por exemplo, a palavra malogro, que substitui perfeitamente a malogro. Por que, tendo uma palavra como malogro, usaremos a estrangeira malogro?ā€

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