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As legítimas, como se sabe, adotam o vale-tudo, mas proíbem o beijo na boca. Apesar disso, acho que o problema é mais da língua que de qualquer outra coisa.

Prostituta vem do latim, composta de pro (antes ou adiante) e statuere (estacionado, parado, ou colocado). Ou seja, algo colocado adiante, à vista, evidentemente, para ser vendido.

Se ainda falássemos a língua da turma que vivia aqui quando meus ancestrais chegaram (por parte de mãe, sou Ferraz Cerqueira), não haveria problema, já que entre eles, cunha ambéi é mulher perdida e puta quer dizer ficar.

Como se sabe, no afã da catequese, os jesuítas preservaram a gramática, mas mataram a língua, que só se salvou no Paraguai, graças ao amor e à guerra. Nas batalhas do Chaco, os paraguaios usavam o guarani, para desespero dos bolivianos. Durante a longa ditadura de Stroessner, o idioma foi banido, mas as juras secretas de amor o mantiveram de pé – mas essa é outra história.

De todo modo, uma prostituta não era assunto nem para o teatro, em 1858, quando José de Alencar estreou As asas de um anjo, sobre uma moça pobre que foge da casa dos pais e passa a vender o corpo. Como relata o bravo Lira Neto, em O inimigo do rei, biografia de José de Alencar, ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos, azucrinava D. Pedro II e acabou inventando o Brasil, ainda que moralista, a peça durou pouco, graças à revolta geral e ao empenho de um obscuro subdelegado. O termo e o tema acabaram aceitos, mas alguns sinônimos continuam no índex.

São palavrões, que a mídia evita. O manual de redação do Estadão, assinado por Eduardo Martins, um dos meus primeiros chefes de reportagem nem sequer menciona o uso de palavrões e recomenda “extrema parcimônia” no uso de termos coloquiais e de gíria, que devem ser restritos aos diálogos.

Mais liberal, a mesma editora Abril que publica Playboy alerta para o fato de que termos considerados chulos, obscenos, escatológicos ou vulgares ofendem “uma parcela considerável de leitores”. Senão houver outro jeito, nas citações, eles devem ser grafados com a primeira letra, seguido de reticências e em casos excepcionais, poderão ser publicados, com expresso aval do diretor de redação. Na Veja desta semana, a frase de Ciro Gomes é publicada com os asteriscos protocolares. Não sei a quanta anda o manual de O Globo, onde o “colunista” Agamenon Mendes Pedreira, codinome dos Cassetas, chama o PSDB de Partido Só de Bundões e atribui a José Serra os medicamentos que teria criado no Ministério da Saúde, como o nocusolato de gebatomina, o furicutalo de vergamicina, antiinflamatórios genéricos que aliviam as dores da urna.

Mas meus coleguinhas menos liberados devem sofrer na hora de publicar uma crítica da novela do chileno Roberto Bolaños, Putas asesinas,  do poema Arte de las putas, de Nicolas de Fernandes de Moratín (1737,1780) ou mesmo da criação genial do prêmio Nobel de Literatura, Gabriel Garcia Márquez, Memória de Minhas Putas Tristes. Sem falar na coletânea organizada pelo pernambucano Marcelino Freire, que chama-se pura e simplesmente Putas.

Mas como anunciou o presidente Collor numa camiseta pré-Gabeira, o tempo é o senhor da razão. Em 1974, no último ano do curso de jornalismo na USP, tivemos um professor de Filosofia que reprovou a maior parte da classe. Na hora de pedir revisão das provas, Dilea Frate, então minha mulher, grávida da Ana, escorregou no vernáculo e disparou: Isso é uma safadeza!    

Indignado, o mestre colocou-a para fora da sala e encerrou a revisão. Para ele, safadeza, era um palavrão inominável – e do ponto de vista semântico, ele estava certo. A muito custo, consegui reverter a situação.

Até o Manual da Cultura é taxativo: Palavrões: Não serão usados por jornalistas e apresentadores nos programas jornalísticos. Se em reportagem, um entrevistado usar palavras de baixo calão, elas serão suprimidas. Exceções devem ser discutidas com a direção de jornalismo.

Antes do manual, Heródoto Barbeiro pilotou um Roda Viva inesquecível em que  Orestes Quércia e o jornalista Rui Xavier, do Estadão digladiaram-se com base em apenas duas expressões: sem vergonha e safado. Entre mortos e feridos, salvaram-se todos.

Mas tudo isso, claro, é altamente putativo. Pois o que interessa é acabar com esse estado putredinoso que nos envolve.  

 

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