top of page

Pássaros de encomenda. E de vôo muito curto

27 de jul. de 1980

Veículo: O Globo
Jornalista: Paulo Markun

Anais Nin. PEQUENOS PÁSSAROS. Contos. Editora Artenova. 134 pg. Cr$ 150.

 

Esses “Pequenos pássaros” de Anais Nin têm vôo curto. Não por sua origem pouco nobre – contos feitos por encomenda, a um dólar a página, para um misterioso e rico senhor que, com sua mania, financiava um grupo de escritores sem sucesso, em Nova York, na década de 40 – mas porque a eles falta justamente a visão feminina do sexo, que transformou “Delta de Vênus”, da mesma autora (lançado no Brasil no ano passado, com sucesso), numa obra fascinante.

 

No prefácio, Anais Nin, que morreu em Los Angeles em 1977, aos 74 anos, admite que as histórias eróticas do livro foram escritas sobre estômagos roncando de fome. Mas a então jovem poetisa estava igualmente esfaimada quando produziu os contos de “Delta de Vênus”, apresentando neles não uma descrição fisiológica ou grosseira do sexo, mas um delicado retrato das relações entre homens e mulheres – ou mesmo entre mulheres apenas – marcada em sua essência, pelo caráter feminino.

 

Para quem leu os dois livros, a impressão é de que a autora selecionou os melhores contos, reunindo-os em “Delta de Vênus”. E de que esses “Pequenos pássaros” surgiram para aproveitar o sucesso do primeiro livro (Anais Nin – é bom que se diga – já era uma escritora reconhecida mudialmente por seu “Diário”, quando resolveu autorizar a publicação desses contos).

 

Mesmo assim, algumas histórias refletem um pouco dessa sensualidade tipicamente feminina, que a literatura tem normalmente escamoteado – estabelecendo o predomínio, estúpido e desigual da visão masculina, para não dizer machista, do mundo do sexo. A “Mulher das dunas” é um bom exemplo, como “Mandra”, também. E em dois contos, Nin se aventura a descrever o fascínio dos homens pela sensualidade de garotas muito jovens – ninfetas, mesmo, como as que o cinema celebrizou. E o caso do conto que dá título ao livro, com seu pintor deslumbrado com as alunas de um colégio vizinho de sua mansarda, e “A fugitiva”, que descreve a surpreendente disponibilidade de uma inexperiente menina de 16 anos, que em sua ingenuidade era capaz de atemorizar homens experientes e auto-confiantes.

 

Mas a relativa mediocridade dos outros contos não os torna comparáveis à massa de livros eróticos ou pretensamente eróticos que a abertura despejou nas bancas de livrarias. E os livreiros mais experientes garantem que Anais Nin continua sendo ávidamente consumida por um público leitor cada vez mais numeroso. Que, como não poderia deixar de ser num país como o Brasil, é composto, em sua maioria, por mulheres.

bottom of page