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O outro lado da notícia

25 de abr. de 1988

Veículo: Folha da Tarde
Coluna: Parem as rotativas

Jornal vive é da excepcionalidade. É a tal história: o cachorro que mordeu um homem não é notícia – o homem que mordeu um cachorro, é.

Agora, os que estão preocupados com a sobrecarga de más notícias também atiram pesado. A inflação caiu no mês passado e só dois jornais deram com destaque a informação. Certas previsões econômicas – catastróficas – acabam não se consumando e nenhum órgão de Imprensa publica essa reversão de expectativas – necessariamente positiva – com o devido destaque. Afinal, o Brasil está a tanto tempo à beira do abismo que só podemos concluir duas coisas: ou ele é realmente maior do que o abismo e portanto não pode cair dentro dele, ou já estamos no fundo do poço há muito tempo e não há mais para onde descer.

Na semana passada tive a oportunidade de ver, em Rondonópolis, Mato Grosso, um trabalho que a Imprensa nunca registrou e que me entusiasmou: um mutirão organizado pela Prefeitura de lá, envolvendo todos os setores do governo – da Polícia Militar ao Fórum. Em barracas montadas pelo Exército, os PMs cortavam o cabelo das crianças da periferia, o pessoal da Prefeitura cadastrava os mais pobres para o plano de habitação, a turma da saúde tirava a pressão dos velhinhos, a Justiça Eleitoral arregimentava novos eleitores, enquanto as máquinas jogavam cascalho nas ruas e os operários tiravam o mato das calçadas. É pouco, mas é alguma coisa e o mais impressionante era o sentimento de solidariedade que movia aqueles 300 ou 400 funcionários da Prefeitura, do Estado e da União, que estão longe, muito longe, de serem marajás.

No campo da política, também acompanhei um encontro interessante, igualmente ignorado pela mídia: Lula conversando com um grupo de empresários para explicar, com sua retórica de porta de fábrica, “o que tem a oferecer aos empresários, além do paredão”, como definiu o organizador desse encontro, Percival Maricatto. Numa frase, o Lula conseguiu resumir sua atual proposta política: “Estão vendo essa escada? Ela é baixinha, tem só sete degraus. Mas se a gente quiser subir todos de uma vez, quebra a cara. Escada é pra se subir um degrau de cada vez. E se o PT e os empresários puderem ir juntos até o quarto degrau já está bom demais”.

O bom senso do Lula, o entusiasmo dos burocratas de Rondonópolis podem por um ponto final nesse mar de lama? Duvido. Mas acho, sinceramente, que dar espaço para esse tipo de notícia não vai trazer prejuízo para nenhum jornal ou revista. E ainda pode melhorar um pouquinho o país.

Desde que comecei a trabalhar em jornal, sempre ouvi falar mal da Imprensa. “Negativista, preocupada apenas com o lado ruim das coisas, destrutiva e até engajada num esforço ocidental e cristã”, era o mínimo que diziam de nós. Quem falava isso? Os que estavam no poder ou na alça de mira do jornalista de plantão.

Nos últimos meses, tenho escutado um discurso mais ou menos parecido de gente muito diferente. Repórteres tarimbados, editores, diretores de jornalismo e, principalmente, de leitores de todos os tipos. Como leitor, devo confessar que concordo com o diagnóstico: a Imprensa está trazendo, diariamente, um overdose de más notícias. Não é possível que só existam tragédias, dramas, picaretagens, mordomias e fracassos no mundo todo, como pode supor um leitor das primeiras páginas de boa parte dos nossos jornais. Os que defendem o trabalho da Imprensa têm um bom argumento: é a realidade que vai mal, não a ótica do jornalista. E mais: o jornal que der em manchete amanhã a informação de que 99,98% dos vôos em todo mundo saíram ou chegaram no horário, colocando como submanchete algo assim como “O dia foi ensolarado em todo o país” pode até passar para a história do jornalismo, mas vai encalhar nas bancas.


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