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Claudio Abramo

Claudio Abramo foi meu chefe na Folha, colega de redação no Jornal da República e quase amigo depois disso. Digo quase amigo, porque Claudio era cordial e elegante, mas pouco chegado a certa proximidade. E eu, de certo modo, também nunca fui além de certos limites. Nem durante o curto e agradável período em que namorei (acho que ele nunca soube), a filha Berenice.

Na verdade, meu primeiro contato direto com ele foi por telefone e felizmente anônimo. Início dos anos 70, na redação da Folha, logo pela manhã, acho que antes das oito. Eu estava substituindo naquele dia o subchefe de reportagem, Adilson Laranjeira, por alguma razão. Tocou o telefone, atendi e ouvi a voz inconfundível – ele circulava pela redação mais perto do fechamento e não falava baixo:

 

- Adilson?

 

- O Adilson não está.

 

- Como não está. Chame o Adilson já!

 

Era uma ordem. Mas o tom peremptório fez meu sangue subir para a cabeça e retruquei:

 

- Já disse, Adilson não está!

 

- E você sabe quem está falando?

 

- Sei. E o senhor sabe quem está falando aqui.

 

- Não.

 

- Nem vai saber.

 

E desliguei o telefone. No instante seguinte, imaginei Claudio entrando possesso na redação vazia e me demitindo. Mas isso não aconteceu – felizmente ele estava em casa.

No dia seguinte, contei a história para Adilson, que deu risada e recomendou que eu fosse menos intempestivo. Conselho que me valeu anos mais tarde, nos vários plantões em que atendi chamadas do dr. Roberto Marinho, na redação carioca de O Globo, em que o dono do jornal pedia para ler a primeira página de alto a baixo e sugeria pequenas alterações pontuais – não havia nem fax em Angra dos Reis, onde ele passava os finais de semana. Outra história, contudo.

Voltando ao Claudio, eu saí do anonimato ao assumir a chefia da sucursal do Opinião, no lugar de Vladimir Herzog, no início de 1975. Vlado foi para os EUA e me indicou como substituto. Na volta, desistiu do posto, já conversando com a TV Cultura para assumir o jornalismo. Tenho a vaga lembrança de Claudio em alguma reunião de pauta do jornal, que acontecia no Cebrap, com a equipe toda do centro, FHC, Gianotti, Chico de Oliveira...

Pouco depois deixei a Folha para assumir a chefia de reportagem da TV Cultura, Vieram as prisões do PCB, a morte do Vlado, a reação da sociedade e para mim, o desemprego.

De volta às redações, acolhido no Jornal da Tarde por Ruy Mesquita, durei pouco no emprego. Em seguida retornei à Folha, onde Claudio e Otavio Frias Filho avançavam no processo de modernização do jornal. E que sofreu um grave solavanco com o episódio da reação militar a uma crônica de Lourenço Diaféria, sobre a estátua do Duque de Caxias e os pombos. O colunista foi preso, a Folha publicou um espaço em branco e Claudio acabou substituído por Boris Casoy.

Quando voltou de um período no exterior, Claudio me indicou para Mino Carta, que montava o Jornal da República e ele próprio embarcou no projeto, que pretendia criar um jornal moderno e influente e não durou muito, embora tivesse uma equipe competente.

No final de 1979, semanas antes do Jornal da República encerrar suas atividades, decidi mudar para o Rio de Janeiro, por razões pessoais. Claudio, mais uma vez, entrou em cena e abriu as portas de O Globo, onde fui coordenador de sucursais e repórter especial.

Voltei a encontrá-lo na Folha em 1984, já em plena ebulição do chamado Projeto Folha – ele escrevendo a coluna da página 2. Foi o tempo das Diretas e Claudio esteve na maioria dos comícios.

Aos poucos, fomos nos tornando quase amigos, como já disse. Minha admiração por ele só aumentou quando li A regra do Jogo. Há um trecho que não esqueço e deveria ser uma espécie de mini manual de jornalismo: “Não existe uma ética específica do jornalista: sua ética é a mesma do cidadão. Suponho que não se vai esperar que, pelo fato de ser jornalista, o sujeito possa bater carteira e não ir para a cadeia.

Onde entra a ética? O que o jornalista não deve fazer que o cidadão comum não deva fazer? O cidadão não pode trair a palavra dada, não pode abusar da confiança do outro, não pode mentir. No jornalismo, o limite entre o profissional como cidadão e como trabalhador é o mesmo que existe em qualquer outra profissão. É preciso ter opinião para poder fazer opções e olhar o mundo da maneira que escolhemos. Se nos eximimos disso, perdemos o senso crítico para julgar qualquer coisa. O jornalista não tem ética própria. Isso é um mito. A ética do jornalista é a ética do cidadão. O que é ruim para o cidadão é ruim para o jornalista”.

Abramo esperava que nós, jornalistas, tivéssemos opinião política, sem se esconder atrás do biombo de uma suposta objetividade. Deveríamos ser céticos e não ingênuos. Mas sem ilusões:

“O jornalismo é um meio de ganhar a vida, um trabalho como outro qualquer, é uma maneira de viver, não é nenhuma cruzada. E por isso você faz um acordo consigo mesmo: o jornal não é seu, é do dono. Está subentendido que vai trabalhar de acordo com a norma determinada pelo dono do jornal, de acordo com as ideias do dono do jornal. É como um médico que atende um paciente. Esse médico pode ser fascista e o paciente comunista, mas ele deve atender do mesmo jeito. E vice-versa. Assim, o totalitário fascista não pode propor no jornal o fim da democracia nem entrevistar alguém e pedir: “O senhor não quer dizer uma palavrinha contra a democracia?”; da mesma forma que o revolucionário de esquerda não pode propor o fim da propriedade privada dos meios de produção. Para trabalhar em jornal é preciso fazer um armistício consigo próprio”.

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