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É por debaixo do pano

30 de mai. de 1988

Veículo: Folha da Tarde
Coluna: Parem as rotativas

Volta e meia aparece um artigo reafirmando a importância da economia informal no reerguimento da Itália, hoje uma das grandes potências econômicas do mundo. Economia informal é um sinônimo elegante para sonegação e ilegalidade fiscal – coisas que nesse período pós-Imposto de Renda todo mundo sabe muito bem o que são. Um conhecido meu, pequeno empresário, costuma dizer que no Brasil, a sonegação é o mecanismo de auto-defesa dos pequenos diante da voracidade do Estado. Mecanismo que os realmente pequenos, a turma do desconto na fonte, não pode utilizar e que o pessoal do salário mínimo nem consegue entender, é claro. Um outro conhecido meu (não é muito prudente ter amigos desse naipe) deixou de ser empregado com carteira assinada para abrir uma micro-empresa de prestação de serviços. Resultado: faturou no ano passado mais de um milhão de cruzados limpinhos, ficou isento como jurídica e vai pagar 30 OTNs de Imposto de Renda, em oito parcelas. Isso sem ter usado um só artifício na declaração – valeu-se apenas das regras do jogo para a declaração de empresas e dos descontos para a pessoa física.

Pode parecer simplista demais, mais historinhas como essa não me saem da cabeça quando leio artigos, análises e interpretações sobre a nossa crise econômica ou cometo a ousadia de ir às compras. No Sábado, resolvi testar a estagflação na liquidação de cobertores de um grande magazine. Quase fui esfolado vivo. O andar inteiro da loja estava interditado e havia fila de espera. Centenas de pessoas lutavam junto às prateleiras vazias pelos últimos cobertores. Não sobrou um só pra remédio. À primeira vista, imaginei duas hipóteses radicais: ou a crise acabou na votação do capítulo sobre a Ordem Econômica, ou o tal magazine está quebrado. Como nem uma nem outra alternativa é razoável, pode-se supor que o paulistano espera um inverno daqueles e não teve dinheiro nos últimos anos nem para se cobrir. É claro que ajuda muito vender produtos necessários por um preço menor, na hora certa, mas algo me diz que a tal economia informal tem alguma coisa a ver com esse aquecimento, no sentido literal e figurado.

Era isso que eu estava pensando quando consegui alcançar a saída da loja, com seis cobertores. E encontrei o encanador que está fazendo um serviço para mim. Como se fosse parte de um roteiro de filme, ele me cumprimentou e disse: “O senhor não pagou a Segunda parcela do meu trabalho até hoje. Na Segunda-feira o preço é outro, o senhor já sabe...”. E me lembrei então que até encanador está cobrando em OTN e que eu perdi a virada do mês. Maldita economia informal!

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