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11 de fevereiro de 2022

Limites e importunação sexual no Metaverso

O metaverso ainda está cercado de pontos de interrogação e para muita gente, parece conversa fiada, mas uma coisa é certa – nele, é fácil replicar diversos comportamentos humanos – inclusive os mais reprováveis. Prova disso foi o caso que ganhou espaço na mídia do mundo inteiro há poucos dias. Dada a relevância do assunto, os colunistas relembram o episódio em detalhes.
Tudo começou em dezembro passado, quando a psicoterapeuta canadense Nina Jane Patel descreveu o que tinha enfrentado em seu blog.
Pois Nina contou a seus leitores o que enfrentou segundos após entrar no Horizon Venues, a aplicação social de realidade virtual da Meta (ex-Facebook), que já promoveu, entre outros, um show do Foo Fighters. foi cercada por quatro homens. Antes que você imagine a cena, lembre-se: Nina e seus agressores estavam no metaverso e portanto, o episódio transcorreu entre seus avatares.
Mas foi pouco diferente do que se passa muitas vezes em casos de assédio no mundo real. Os avatares com vozes masculinas cercaram a canadense, disseram algumas grosserias de caráter sexual e tiraram fotos. Quando Nina reclamou do cerco, ouviu de uma voz masculina: “Não finja que você não está gostando...”
Em seu blog, Nina não poupou seus abusadores: “Minha experiência de assédio sexual foi, para dizer o mínimo, chocante. Chocante porque não estou acostumado a ser tratado de maneira tão depreciativa, talvez em 1996, mas certamente não em 2021. Uma experiência horrível que aconteceu tão rápido e antes que eu pudesse pensar em colocar a barreira de segurança no lugar. Eu congelei".
A barreira de segurança é um dispositivo oferecido aos usuários do Horizon World e Horizon Venues, que permite criar uma bolha em torno de seu avatar, caso ache que está desconfortável ou em risco.

Mas mesmo sendo co-fundadora e vice-presidente de pesquisa em Metaverso da Kabuni, Nina não atinou para essa possibilidade. A Kabuni é uma pequena empresa (menos de 900 seguidores no Linkedin) que se define como uma reunião de “futuristas apaixonados, criadores de mudanças e viciados em tecnologia, todos em busca de criar uma sociedade saudável e feliz para toda a humanidade.” O objetivo é garantir que as crianças possam aprender no metaverso em segurança.
Mais adiante, Nina registrou os comentários a seu post: “não escolha um avatar feminino, é uma solução simples;.” “não seja estúpida, não era real”, “um pedido patético por atenção”, “avatares não têm corpos inferiores para atacar”, “você obviamente nunca jogou Fortnite”, “eu sinto muito que você teve que experimentar isso” e “isso deve parar”.

De todo modo, as queixas de Nina surtiram efeito. Há poucos dias, a Meta anunciou que, a partir de agora, vai haver uma espécie de zona permanente de segurança em seus universos digitais. Quatro pés, ou seja, 1.2 metros virtuais definidos como o espaço pessoal de cada um. Nele, nenhum outro avatar pode entrar.

Para o vice-presidente da Horizon, Vivek Sharma, os novos limites pessoais vão ajudar a estabelecer normas comportamentais para o mundo novo. No futuro, admitiu o executivo da Meta, cada usuário poderá definir o tamanho desse espaço.
"É um passo importante e ainda há muito trabalho a ser feito. Continuaremos testando e explorando novas maneiras de ajudar as pessoas a se sentirem confortáveis ​​em VR"
A mudança não satisfez alguns críticos, que reclamam punição efetiva a quem sair da linha no metaverso.

Will Oremus, colunista do Washington Post, relatou o contato que manteve com um avatar que parecia ser o de uma criança de nove anos, num desses mundos virtuais. O bonequinho aproximou-se da figura de Will e perguntou onde estavam. A voz era de criança e explicou que tinha nove anos e estava usando os Oculus dos pais. O risco, lembrou Will, citando especialistas é que ao permitir a convivência entre crianças e adultos num espaço sem regras, a Meta estaria abrindo um território de caça para predadores sexuais. Casos já foram documentados em jogos como Fortnite e Minecraft e também no Instagram e Discord.

Kristina Milian, porta-voz da Meta, procurada por Will, não informou se a empresa já recebeu denúncia de abusos envolvendo crianças em seus mundos virtuais e repetiu que o metaverso é um território em construção e que a companhia de Zuckerberger fará todo os esforços para torna-lo seguro e confiável e conta para isso com a colaboração dos usuários.

O Fórum Econômico Muncial de Davos publicou recentemente um documento na mesma direção, onde diz ser necessário construir ecossistemas confiáveis ​​no metaverso, com algoritmos, estruturas, estruturas, regulamentos e políticas que possam inscrever as regras de segurança no DNA da tecnologia.

E dá exemplos: “Uma boa noção dos riscos potenciais pode ser encontrada em alguns aplicativos existentes que criam “mundos virtuais”, como em muitas plataformas de jogos. É claro que existem desafios de segurança significativos já identificados nesses ambientes. Por exemplo, recriações do tiroteio na mesquita de Christchurch de 2019 destinadas a crianças muito pequenas foram encontradas várias vezes na plataforma Roblox, apesar dos esforços significativos da empresa para conter a onda esse conteúdo.
Conteúdo violento extremista e terrorista não é o único dano em tais mundos virtuais. Recentemente, no Oculus Quest VR Headset do Facebook, um funcionário experimentou um discurso racista que durou vários minutos enquanto jogava Rec Room e não conseguiu identificar ou denunciar o usuário. Tatear também tem sido um problema que surgiu no metaverso, por várias razões.”

Depois de listar iniciativas na direção de mais segurança em várias partes do mundo, o documento conclui: “Neste momento, uma das formas mais comuns de governança nos mundos virtuais é uma forma de moderação reativa e punitiva. Isso não impede que os danos ocorram em primeiro lugar e muitas vezes as consequências podem ser contornadas, à medida em que os maus atores se tornam mais sofisticados ao reagirem às novas regras. Encontrar maneiras de incentivar melhores comportamentos e talvez recompensar interações positivas pode ajudar a criar um futuro digital mais seguro, especialmente devido ao aumento dos riscos de segurança no metaverso.”

Nina Patel, concluiu seu post mais recente sobre o caso deste modo: “Gosto de me imaginar como uma exploradora. Em uma fronteira que ainda não foi explorada, cheia de expectativa, emoção, esperança e com isso – medo. Mas sou uma mulher determinada (com uma comunidade forte ao meu redor) e não estou disposta a ser derrotada por 3 ou 4 avatares dispostos a me assustar ou intimidar.
Vamos nos inspirar nas mulheres da história, criando o mundo que elas querem ver…”

O Metaverso - com suas infinitas possibilidades e seus avatares absolutamente customizaveis - onde seu avatar, seu eu, pode ser homem ou mulher, mas também robôs, criaturas fantásticas e o que mais a imaginação permitir é um novo mundo, um mundo que poderia surgir com questões urgentes e estruturantes do nosso tempo - machismo, racismo e preconceito nas suas diversas facetas - já superadas.

Infelizmente os colonizadores e construtores desse novo mundo somos nós mesmos e precisamos de muito cuidado e atenção para não carregar e reproduzir todos esses comportamentos deploráveis nessa nova realidade.

Mas é um mundo novo, onde como disse Nina - somos todos exploradores - você pode ser quem quiser e como quiser; onde os limites da criação são a sua própria imaginação.
Temos todas as condições para criar um espaço melhor e mais seguro para todos.

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