O texto abaixo escrevi para a coluna Penso, que mantive por curto período no Diário Catarinense. É de 2011. Ainda atual, acho.
Nos dias 14, 15 e 16 de fevereiro, a televisão americana apresentou uma uma disputa
estranha num programa muito popular, que, por si só, já é diferente: o âncora
apresenta a resposta e os concorrentes tem de descobrir a pergunta certa. Nos três
dias, o Jeopardy! confrontou dois vencedores frequentes da gincana com um
computador da IBM. Um supercomputador chamado Watson (nada a ver com Sherlock
Holmes, mas sim com o fundador da companhia). A máquina ganhou de goleada:
36.681 dólares contra 10.400 e 4.800 dólares dos humanos.
Watson consegue interpretar a linguagem humana livre, como uma pessoa, desde que
alguém digite o que for dito. Ele não pensa como nós. Usa uma tecnologia chamada
UIMA – Unestructured Information Management Architecture – e pode encontrar
resposta para qualquer pergunta em, no máximo, três segundos.
A busca da inteligência artificial trocou o terreno dos livros e filmes de ficção cietífica
pelo mundo real em 1963, quando o matemático e cientista da computação John
McCarthy fundou o Laboratório de Inteligência Artificial de Stanford. Naquela época, os
cientistas imaginavam que em dez anos teríamos máquinas de pensar.
Havia outra linha de pesquisa: também em 1963, o cientista da computação Douglas
Engelbart criou o que se tornaria o Centro de Pesquisa de Amplificação. Objetivo:
projetar um sistema de computação que aumentasse por conta própria a inteligência
humana de pequenos grupos de cientistas e engenheiros. Inteligência Artificial versus
Amplicação da Inteligência. Hoje, os dois caminhos parecem levar a um futuro
promissor.
Mas o poderoso Watson é surdo e depende de alguém para digitar as questões.
Creio que o operador da IBM não usou um teclado igual ao que utilizo para contar essa
história, mas um Dvorak, que permite teclar mais rápido e com um esforço 20 vezes
menor. Desenvolvido pelos designers August Dvorak e William Dealey, entre 1920 e
1930, o Dvorak deveria substituir o teclado Qwerty – esse que a gente usa. Mas até
hoje não pegou. Conservadorismo e marketing garantem a sobrevida do Qwerty até
mesmo na era digital.
SOPA DE LETRAS
A primeira patente de uma máquina de escrever é do inglês Henry Mill, em 1714.
Depois dele, houve mais de cem tentativas de criar um equipamento eficiente, a maior
parte baseadas num teclado que mantinha a ordem alfabética em sua disposição. O
pulo do gato foi dado por uma mistura de político, editor e filósofo chamado
Christopher Latham Sholes, em 1868. Ele trabalhava numa máquina para numerar
automaticamente as páginas de livros, quando alguns colegas sugeriram que ele criasse
um dispositivo para imprimir o alfabeto inteiro. Era o começo da datilografia.
A engenhoca com o teclado Qwerty, quase igual ao de hoje, foi produzida pelos
fabricantes de armas E. Remington & Sons entre 1874 e 1878. O primeiro modelo não
vendeu cinco mil, mas o número dois emplacou, dando início à uma indústria mundial
que levou à mecanização do trabalho em escritórios.
O Qwerty impedia que as pessoas datilografassem rápido demais, travando as hastes e
teclas das primeiras máquinas de escrever. Vantagem na época. Retrocesso num
mundo dominado por computadores que não tem nem hastes, nem teclas – e onde
velocidade é quase tudo.
A vitória de Watson deve-se à soma de muito esforço intelectual e pesquisa. A do
Qwerty resulta da conjugação de acaso, hábito e marketing. Nossa ilha de Santa
Catarina anda abusando do acaso, do hábito e ensaia uma overdose marqueteira.
PLÁGIOS E ILUSÕES
Nossa cidade tem viadutos no lugar de trens, bondes e barcos. Sobram Ferraris em
Jurerê, boleiros e popozudas em baladas e nas páginas. Mas o processador de cocô
continua na entrada da cidade, enquanto bairros são esburacados duas, três vezes para
colocar tubos que vão dar em estações de tratamento ainda não construídas.
Apostamos no turismo de massa, negamos estímulo à cultura. Há muita promessa e
pouco resultado. Enfim, todo mundo sabe do que se trata.
BARCOS E BONDES
Sobre barcos e transporte, seria bom mirar o exemplo da Austrália. Em março de 2010,
as balsas da baía de Sydney transportaram 118.241 passageiros. Sem contar aquatáxis
e outras embarcações.
Quanto aos bondes, vamos deixar de lado os exemplos de países muito desenvolvidos.
Fico com a Bulgária. Em Sófia, o primeiro bonde circulou em 1898. Três anos mais
tarde, a cidade tinha tinha 25 carros e 10 vagões circulando por 25 quilômetros de
trilhos. A rede atual tem 17 linhas com comprimento total de 308 km única faixa. Num
dia normal 176 veículos estão em operação. Sófia tem 1,4 milhão de habitantes.
Quanto ao esgoto (que com o perdão do trocadilho, não é a minha praia) vale conhecer
a experiência da Universidade de Granada, na Espanha. Há ali um novo sistema de
tratamento de esgotos que supera os existentes em quatro aspectos fundamentais: ele
produz água de melhor qualidade, minimiza a geração de lodo, diminui o tamanho das
plantas de tratamento pela metade e ainda é mais barato.
POLÍTICO ESPERTO
Nos teclados, o Qwerty ainda está ganhando, mas Watson acaba de ser derrotado –
fora do palco. O vencedor foi o deputado americano Rush Holt que, anunciou o feito no
Twitter. Mas Holt era físico nuclear antes de virar deputado e tem até o registro de uma
patente. Outros quatro políticos tentaram o mesmo feito e perderam. Felizmente para
nós, são americanos.
Na disputa do Jeopardy! Watson cometeu um erro banal, que nenhum humano faria.
Ele pensa diferente, mas tem uma vantagem sobre muitos de nós: aprende com os
erros.
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