top of page

Jornalismo é exatidão

18 de jul. de 1988

Veículo: Folha da Tarde
Coluna: Parem as rotativas

“O jornalista Fulano de Tal que está no Rio para traçar um perfil do comentarista político Villas-Boas Corrêa não poderia ter melhor recepção. Cheogu às 11h30 no Santos Dumont e ali alugou um carro para ir à sala Cecília Meirelles, onde permaneceu apenas alguns minutos, tempo suficiente para dar um beijo na esposa, bailarina do Stagium, e ter o automóvel arrombado. Além do toca-fitas, os ladrões levaram um bonequinho do Rambo. Das janelas do QG da PM, na rua Evaristo da Veiga, se tem uma bela vista da sala Cecília Meirelles”.

Confesso que a notinha, no meio da coluna Passeio Público, no caderno Cidade do “Jornal do Brasil”, de Sábado, não teria chamado minha atenção se nela o Fulano de Tal não tivesse sido substituído por um certo Paulo Markun. A história é quase verdadeira. Mas como jornalismo é exatidão, conforme o manual da Folha, seria bom esclarecer: ninguém sabe se foi um ladrão ou ladrões, assim, no plural, como costumamos escrever. E ele (ou eles) não levaram toca-fitas algum – até porque o carro não tinha. Levaram só o Rambo, que ao que se sabe, não reagiu. Quer dizer: jornalismo é exatidão, mas, em muitos casos, com uma pitadinha de exagero.


XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX


Leitura de sala de espera é uma coisa interessante. Tão interessante que, nos Estados Unidos, uma editora está lançando uma revista feita para circular apenas em salas de espera. Aqui, quanto alguém não copia a idéia, me contento com o que tiver à mão. Há alguns dias, topei com o jornal da Golden Cross, onde encontrei uma pérola desse jornalismo compulsório. Sob o sugestivo título VIP ROYAL, lá estava a foto de um sorridente senhor, de óculos, camisa social desabotoada, mão no bolso do blaser escuro e indiscutível ar de prosperidade e alegria. A legenda informava, sintética como um telegrama: “O doutor Hugo já colocou três pontes de safena.”

A foto me lembrou outra, do doutor Trancredo no Hospital de Base. Assim, fui ao texto, que explicava tintim por tintim: “Sócio durante dez anos, doutor Hugo de Castro nunca precisou utilizar os serviços da Golden Cross nesse período. Em 85, passou para o plano Vip Royal.”

“Coincidência ou não, em compensação, nesses últimos anos, já colocou três pontes de safena no Instituto do Coração e fez mais duas pequenas cirurgias em hospitais de sua livre escolha. Só então pôde avaliar a tranqüilidade de ter Golden Cross.” E ia por aí o texto, falando que o doutor Hugo é cearense, tem 75 anos e formou-se pela Escola Superior de Guerra, para concluir: “Residindo na avenida Vieira Souto, em Ipanema, ele relembra com saudades de sua antiga casa no Leblon, hoje um estacionamento de automóveis. Os tempos mudaram, mas ele ainda conserva alguns de seus hábitos, como caminhar pela praia todas as manhãs e ter Golden Cross.”

Fiquei feliz. Veja só: em 85, o doutor Hugo passou a pagar mais caro pelo seu plano de saúde mas, como diz o texto, “coincidência ou não, em compensação” abriu o peito para colocar três safenas e fez ainda mais duas pequenas cirurgias. Isso é que é exatidão jornalística.

bottom of page